terça-feira, 7 de maio de 2013

CAUSOS ILHÉUS: A DAMA DA NOITE



Parece até estória de pescador, mas não é!
Cumpadi Chico andava tomando umas pingas da braba e dizendo avistar assombrações. Isso ali pras bandas do Bela Vista, ou Rabo Azedo, pros populares.
Dava meia noite, bem na hora que o gato preto aparecia na encruzilhada da Pedreira, era batata! A dama da noite surgia, com vestimenta roxa que cobria até os pés e chapéu largo, tapando o rosto.
De medo, Chico nunca a encarou. Saía no pinote, correndo, se batendo pelas pedras, tropeçando, em direção à praia dos Ingleses. Chegava em casa todo ralado, todo lanhado.
Apesar do susto, mais do que o medo era a curiosidade e Chico, no afã de desvendar aquele mistério, falou para si mesmo: “Hoje não tem jeito, hoje eu pego a maldita de surpresa”.
Seu plano era se enfiar debaixo de uma canoa virada e esperar. Naquela noite clara, de lua cheia reluzente, não quis nem beber, pois pretendia estar são e sóbrio para desmascarar e enfrentar aquela alma penada, que tanto o atormentava.
Esperou pacientemente. No passar das horas a ansiedade só aumentava. Quase meia-noite.  Chico estava ali, duro que nem um coco. O coração queria sair pela boca. Tudo quieto. Os únicos sons que se ouviam eram de um grilo: cri cri cri! E de um anu a piar: uhh uhh uhh! O que ainda causava mais tensão e aflição.
Deu meia-noite e nada. Será que ela vai se atrasar? Pensou. Meia hora se passou e nem um sinal!? Uma hora e nada! Uma e meia. Duas. Até que cansou de esperar, frustrado, e pegou no sono.
Acordou com o som de vozes. Eram nativos preparando as malhas para saírem pescar. O dia já estava claro.
- A noite foi boa em cumpadi Chico, nem voltou pra casa!?
Chico apenas acenou com a cabeça e saiu ressabiado, caminhando pelas pedras. Tentava entender a situação. Pelo jeito a visagem deveria ser coisa da sua cabeça. Coisa de bebedeira.
Andou por umas trinta braças e avistou, entre as pedras, algo roxo. Como poderia esquecer daquele chapéu de abas largas. Seu corpo gelou. Não era miragem, a coisa existia. A cabeça deu um nó. Era melhor esquecer, deixar pra lá ou iria pirar.
Resolveu beber. Parou no botequim do Mané Miguel e pediu aquele “dois dedos”, da de Butiá, que era para enterrar de vez essa estória. Chega de pensar no assunto!
Sentado junto ao balcão do Bar, observando alguns quadros antigos dispostos na parede, bastante empoeirados inclusive, fixou seu olhar num deles e parou de repente, quando viu aquela imagem que nunca percebera ali antes. Era ela, a dama da noite! Que tanto o perseguira. O mesmo vestido, o mesmo chapéu que encobria o rosto e do lado da dita cuja um capitão, com seu enfardamento branco, tragando um belo cachimbo.
Interrogou o cumpadi Mané Miguel, sobre a origem daquele retrato, cuja data escrita com caneta tinteiro ainda estava lá impressa; 1912. Para o azar de Chico o cumpadi não sabia do que se tratava, pois o referido retrato pertencia ao antigo dono do estabelecimento, que já falecera.
Chico desanimou. Mandou pendurar a conta e saiu. Daquele dia em diante não iria mais colocar uma gota de álcool na boca. Se convencera, definitivamente, de que tudo aquilo era coisa da bebedeira.  

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